Quando certa manhã Fábio Lucindo acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num cronista. Estava deitado sobre alguns livros e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seus óculos distantes, sujos, divididos por nervuras arqueadas, no topo dos quais a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas duas mãos, lastimavelmente mudas em comparação com o alcance de sua voz, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.
– O que aconteceu comigo? – pensou.
Não era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um pouco pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem conhecidas, era um quarto/estúdio. Sobre a mesa, na qual se espalhava, todo enrolado, um par de fones de ouvido – Fábio era ator/dublador.
Prendia a imagem que ele havia recortado fazia pouco tempo de uma revista ilustrada e colocado numa bela moldura dourada. Representava um senhor de chapéu de pele e boá de pele que, sentado em posição ereta, erguia ao encontro do espectador um microfone, era Michael Stoll.
O olhar de Fábio dirigiu-se então para a janela e o tempo turvo – ouviam-se gotas de chuva batendo no zinco do parapeito – deixou-o inteiramente melancólico.
– Que tal se eu continuasse dormindo mais um pouco e esquecesse todas essas tolices? – pensou, mas isso era completamente irrealizável, pois estava habituado a falar textos de terceiros em vez de escrever seus próprios, e no seu estado atual não conseguia se imaginar nessa posição. Qual quer que fosse a firmeza com que pegasse a caneta com a mão direita, balançava sempre de volta, pois é canhoto.
Tentou isso umas cem vezes, fechando os olhos para não ter de enxergar a grafia desordenadamente agitada, e só desistiu quando começou a sentir na mão esquerda uma vontade nunca experimentada, leve e surda.
– Ah, meu Deus! – pensou. – Que profissão cansativa eu escolhi. Entra dia, sai dia – dublando. A excitação comercial é muito maior que no próprio estúdio e além disso me é imposta essa canseira de “quebrar galhos”, a preocupação com a troca de personagens, as refeições irregulares e rápidas, um convívio humano que muda sempre, jamais perdura, nunca se torna caloroso. O diabo carregue tudo isso!
BORA ESCREVER NO VERSÃO DUBLADA!
Ygor fez o convite.
Aceitei.
Apelei pra um Kafka pra começar essa minha metamorfose.
Desculpem a eventual covardia.
Avante!
Quer me falar algo? Deixa nos comentários ou me manda um e-mail! fabio.lucindo@versaodublada.com.br