Já faz certo tempo que dizer que a dublagem boa é transparente tornou-se meu novo axioma sobre o tema.
Roubei essa formulação a partir de um ensaio chamado “A Tarefa do Tradutor” de Walter Benjamin (1892 – 1940), um autor alemão que escreveu bastante sobre literatura, história, estética. Nele, Benjamin apresenta a ideia de que toda tradução reduz e expande as obras simultaneamente em campos distintos, que toda tradução é movimento, potência e tentativa.
O termo transparente surge pela metade do texto a partir da imagem de um véu. Traduzir, então, seria algo como cobrir uma estátua utilizando um véu muito fino e delicado que, ao invés de atrapalhar a visão e omitir detalhes, auxilia o processo de fruição, enquanto lhe confere uma nova cor, a tal cor local.
Essa imagem nunca mais saiu da minha cabeça e caiu como uma luva em relação aquilo que penso sobre dublagem (e neste exato momento penso que luvas também podem ser uma boa metáfora para o nosso trabalho).
A boa dublagem, assim como a boa tradução, imprime sua cor local em toda e qualquer obra que passe por este processo. Eis minha questão com a invisibilidade, entendo que ela não oferece cor alguma.
O embate dublado x legendado sempre vai existir. E isso é bom.
Para além do gosto, negar a dublagem é negar todo um campo técnico e artístico extremamente rico e particular. É deixar de conhecer diversos profissionais que dedicam suas vidas a um trabalho mais que interessante, necessário.
É curioso o fenômeno daquele indivíduo que buscando certa ideia de valor na pureza daquilo que consome, ignora que a dublagem extrapola e muito a questão da tradução, ignora que ela é intrínseca ao cinema sonoro, e se cala perante a nações ditas “desenvolvidas” e que consomem majoritariamente conteúdo dublado (Alemanha, Itália, Espanha…).
Noto ainda que este mesmo indivíduo só reclama a pureza daquilo que consome no campo da dublagem, tenho certeza que grande parte da literatura consumida pela pessoa em questão é também traduzida/adaptada, mas isso, curiosamente, não causa o mesmo incômodo/revolta. Talvez a pessoa em questão nunca tenha parado para pensar nisso.
Benjamin cita a Bíblia como exemplo clássico da tradução. Tirando Fredrico Lourenço, professor da universidade de Coimbra, não conheço mais ninguém que tenha realizado tal feito (sim, o cara é foda).
É de preconceito que estamos falando. Não parece, mas é, e o que é pior, um auto preconceito linguístico que, pra mim, se materializa na máxima “aprendi inglês vendo filme legendado”.
BULLSHIT (entendeu?).
Tal afirmação é falsa. Ninguém aprende nenhum idioma vendo filme legendado, ninguém. A legendagem, por utilizar o áudio original, pode até auxiliar no processo de familiarização com a sonoridade do idioma, não mais que isso. Não se aprende a falar nem a escrever qualquer idioma que seja apenas assistindo filmes legendados.
Por fim, preciso fazer duas observações: o Disney + chegou chegando e tem várias produções muito bacanas e muito bem dubladas por lá. Na parte que me cabe, destaco “High School Musical: A Série: O Musical” (baita nome), mas ontem mesmo assisti “A Dama e o Vagabundo” e achei a VERSÃO DUBLADA brilhante.
Quem tiver a possiblidade, acho que é uma plataforma que vale o gasto (não, eu não ganhei nada pra escrever isso).
Por último e mais importante! Encerramos as atividades do projeto “Alo, quem fala”, talvez a ação mais bonita da história da dublagem, nunca se viu tamanha integração entre público e profissionais.
Mais que uma arrecadação e redistribuição de recursos, o que Gabriel Ebling e Flora Paulita principalmente fizeram, gerou um movimento de autoconhecimento e de empatia coletiva que eu jamais havia visto. Infelizmente os motivos não foram os melhores, mas deu pra ver que, mesmo no meio de todo esse caos e desgoverno, o ser humano, aparentemente, tem jeito sim.
Avante!
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fabio.lucindo@versaodublada.com.br