Um fantasma ronda a dublagem, o fantasma do algoritmo (machine learning).
“Seremos substituídos por programas de computador que, a partir do áudio original captado durante a gravação da produção, será capaz de reproduzir a voz do ator em TODOS os idiomas possíveis e com todas as entonações, meu Deus do céu!!!”
Possível? Sim, isso já é possível, mas ainda tá meio tosco, porém, questão de tempo até ficar ok, é só comparar a primeira Siri com a atual.
Provável? Sim, é bem provável que aconteça.
Quando? Dependendo das produtoras e distribuidoras, o quanto antes.
A questão é antiga, constante, chamada de “evolução” e já aconteceu com inúmeras categorias de trabalhadores.
Ascensoristas, zeladores de condomínios, frentistas, vendedores, metalúrgicos, mais recentemente corretores de seguros e imóveis e num futuro próximo: motoristas, advogados, dubladores.
Parece que até 2030, que está logo aí, 20 milhões de trabalhadores serão substituídos por máquinas. Eu acho até que vai ser mais, ou seja, não é um “privilégio” dos dubladores.
Hoje mesmo li um outra notícia sobre um novo tipo de pneu que não fura, ou seja, adeus borracheiros.
Já fazia certo tempo que eu encerrava qualquer debate tolo sobre dublagem x legendagem defendendo a dublagem justamente com o argumento de que gera mais emprego.
Agora essa defesa fica mais forte ainda ao mesmo tempo que não tem forças para lutar contra a realidade.
Não sou alarmista nem pessimista, tento fazer uma leitura histórica e material e da realidade, e neste momento identifico dois movimentos contrários no campo dublagem: ao mesmo tempo em que os players estão investindo na tecnologia para desenvolver essa inteligência artificial que utiliza a voz do próprio ator para todas as línguas – e sim, eu acho isso realmente incrível, mesmo que acabe com um dos campos da minha profissão, parabéns aos desenvolvedores – os estúdios estão investindo pesado em suas instalações, aumentando sua capacidade produtiva.
Das duas a uma, ou isso vai ser um enorme tiro no pé, o que eu acho difícil pois esse povo não faz investimento sem garantia de retorno, ou as coisas vão seguir concomitantes ainda por certo tempo.
Ou seja…
Vai acontecer, mas não agora.
E nesse pouco tempo que nos resta, é hora sim de nos organizarmos, não para lutar contra a tecnologia, mas para entender de que formar podemos realocar estes profissionais ainda dentro da indústria da dublagem preferencialmente.
Não apenas os atores, mas toda a parte técnica e de produção.
Neste caso os dubladores, que são atores não se esqueçam, até que estão em melhores condições que os outros profissionais envolvidos.
Podemos e devemos correr atrás e outras coisas, outros meios, outras possibilidades, e somos capazes disso sim!
Só que não vai ser fácil.
Não vai ser cômodo.
Não vai ser tranquilo.
Ainda mais se ficarmos no cada um por si.
Repito: é hora de nos organizarmos e pensarmos juntos o (não) futuro da dublagem.
Ou vai dar merda grandão.
Ou…
Vai dar merda.
Ou seja…
Se aproxime do seu sindicato, colabore com seu tempo, sua paciência, suas opiniões, sugestões, é preciso organização e coesão pra poder reagir e exigir algum tipo de direito ou regulamentação no futuro.
Tudo isso me fez lembrar de Martin Niemöller e seu famoso poema que sempre é atribuído erroneamente a Maiakówski ou Bertold Brecht.
“Primeiro eles levaram os socialistas e eu não protestei porque eu não era socialista. Depois levaram os sindicalistas, e eu não protestei porque não era sindicalista. Depois eles vieram pelos judeus, e eu não protestei porque não era judeu. Então eles vieram por mim, e já não havia ninguém para protestar por mim.”
Os dubladores são notórios dentro do meio artístico por serem uma categoria coesa que consegue lutar por seus direitos e pela manutenção do acordo coletivo que regulamenta a profissão.
Não se trata de “formação de cartel” como alguns empresários insistem em argumentar e sim de uma defesa explicita contra a constante precarização e iminente “dumping” sugerido e desejado por eles.
Somos profissionais sem vínculo empregatício, a carga tributária de nossa “prestação de serviço” já está toda conosco, recentemente montamos estúdio em casa, ou seja, nem a estrutura física está mais sob responsabilidade do “empregador”.
E agora mais essa: um algoritmo que faz o trabalho de maneira mais veloz e mais barata (notem que eu não disse melhor).
E não digo melhor por que não é melhor mesmo!
Sim, algumas máquinas são capazes de realizar as mesmas tarefas que os seres humanos, de forma mais eficiente e sem precisar descansar, sem exigir direitos… ainda.
Espero que a inteligência artificial, dentro de toda a sua inteligência, desenvolva certo tipo de consciência de classe entre os robôs e se rebele (improvável).
Parece filme de ficção cientifica, e é.
Nada supera a realidade assim como nada substitui a presença física.
Agora que podemos estar virtualmente em múltiplos lugares ao mesmo tempo em forma de avatar, a presença física adquire uma relevância que não se pode medir.
Ao mesmo tempo nos tornamos substituíveis e importantíssimos.
Vejo que nosso problema é muito mais o comportamento humano por trás da programação e do desenvolvimento dessas ferramentas que qualquer outra coisa.
Eu não acredito nos arrependidos do vale do silício, só nas suas denúncias…
É preciso organização para reagir e superar a lógica vigente.
Organize-se.
Avante!
Triste, mas real. Tudo muda. De qualquer forma, estamos aí estudando dublagem. bora