Hoje, 28 de novembro, completamos mais um ano de morte de Chespirito, o criador das séries Chaves e Chapolin. Há sei anos, o barril ficava vazio. Foram guardados os óculos, os chapéus, o cachecol, a marreta biônica. Há seis anos, o criador de tipos teve que descansar. Um descanso justo e merecido, depois de tanto tempo dedicado a nós outros.
Roberto Mario Gómez y Bolaños (nome completo de Chespirito descoberto pelo perfil @chespirotadas este ano, como podemos ver na sua certidão de nascimento mais abaixo), nasceu às 8:00hs do dia 21 de fevereiro de 1929, filho do pintor e desenhista Francisco Gómez Linares e da secretária bilíngue Elsa Bolaños-Cacho Aguilar.
O casal ainda teve dois filhos: Francisco Ernesto e Horacio Victor. Horacio também é conhecido nosso, por dar vida ao Godines, em Chaves.
Depois de ter tentado a vida como futebolista, boxeador, até terminado uma faculdade de engenharia, Roberto Gómez viu um anúncio de redator publicitário e resolveu se enveredar por este caminho. Deu tão certo que pouco tempo depois já estava escrevendo roteiros de programas cômicos.
Nos anos 50, dois programas disputavam o primeiro lugar de audiência no México e os dois eram escritos por ele. Escrevia tão bem que acabou ganhando do diretor de cinema Agustín P. Delgado o apelido de “Shakespearito” (diminutivo de Shakespeare, o dramaturgo inglês), que transformado numa versão castelhanizada virou “Chespirito”.
Durante os anos 50 e 60 Chespirito escreveu programas e até filmes para os maiores comediantes do México. Num desses programas começou a fazer pontas, como figurante, sempre que precisava, na falta de um ator. Aos poucos foi caindo na graça do público.
Foi ao final dos anos 60 que o diretor de TV, Sergio Peña, deu a oportunidade de ele estrelar seu próprio quadro. Roberto teria um espaço de 10 minutos para apresentar o que quisesse, ao vivo, dentro do programa de variedades Sábados de la Fortuna.
Foi aí que ele criou “Los Supergenios de la Mesa Cuadrada”, que parodiava os programas de mesa redonda que debatiam sobre determinado tema. Aí nasceu seu primeiro personagem: o doutor Chespirito Chapatin.
Com ele, já estavam no elenco Ramón Valdés (que futuramente seria o Seu Madruga), interpretando o “engenhébrio” Ramón Valdés y Tirado Alanís, Rubén Aguirre como o professor Rubén Aguirre y Jirafales (que depois seria reaproveitado no Chaves) e, pouco tempo depois, María Antonieta de las Nieves (que viria ser a Chiquinha).
O quadro estourou na audiência ao ponto de darem a Chespirito um espaço de meia hora para que fizesse seu programa próprio. Em 15 de outubro de 1970, nascia então o programa dos Super Gênios. Pouco a pouco, ele foi acrescentando novos quadros, com novos personagens e no fim do mesmo ano nascia o Chapolin Colorado.
Em 1972, nascia o Chaves. E o resto, bem o resto já conhecemos bem!
O sucesso de Chaves e Chapolin foi tão grande que eles deixaram de ser um quadro e passaram a ter seus próprios programas, que estrearam em fevereiro de 1973. Na ocasião, também estreou outra série, “El Ciudadano Gómez”, que pelo fato de ter tido poucos episódios e nunca ter sido reprisada, é totalmente desconhecida pelo público atualmente.
E não tem como falar dessas séries tão queridas sem falar de algo que ajudou a alavancar o sucesso delas aqui no nosso país: a dublagem! Já sabemos que as séries vieram para cá meio que por acaso. O SBT (que na época se chamava TVS) havia feito parceria com a Televisa, conglomerado mexicano que produzia Chaves e as outras séries de Roberto Gómez Bolaños, para comprar e exibir as famosas novelas que seriam uma marca do canal de Sílvio Santos.
Como forma de brinde foram enviadas algumas fitas com alguns capítulos de Chaves e Chapolin. A princípio, se dependesse do sr. Abravanel e de outros executivos da TVS, as fitas iriam diretamente para o arquivo sem nunca terem sido vistas. Mas graças à insistência do sr. Salathiel Lage, diretor do núcleo de dublagem da TVS, Silvio Santos deu uma chance de dublar as séries de Chespirito.
Os executivos, maldosos, diziam que não havia outro motivo para dublar aquilo senão por interesse de Salathiel em lucrar, pois afinal seria mais um trabalho para o setor dele dublar. Eles disseram que esses programas jamais fariam sucesso. Salathiel insistiu, dizendo que esse seria o tipo de programa que suas filhas queriam assistir, pois eram leves, sem malícia, algumas vezes pastelão. E assim Sílvio autorizou a dublagem de alguns episódios, como forma de teste.
E desde então Chespirito passou a ter algumas vozes em português. A primeira e mais marcante, sem dúvidas, foi a de Marcelo Gastaldi Júnior (1944 -1995), líder da MaGa, cooperativa de dubladores que levava suas iniciais e prestava serviços para o SBT.
Gastaldi assumiu a missão de dublar Chespirito desde o começo, em 1984 e ficou no papel até 1992, quando o SBT decidiu parar de comprar episódios para dublar, por achar que já tinha episódio demais, sendo que na época não tinha nem a metade dos mais de 1.000 episódios que Chespirito havia gravado até aquele ano (e ainda gravaria mais, pois seu programa ficou no ar até 1995).
Infelizmente, Marcelo Gastaldi faleceu sem nunca ter completado a obra de Chespirito em português. Na verdade, passou foi longe disso!
Em 1997, o canal CNT decide comprar a última fase do programa Chespirito, que eram os episódios mais recentes, gravados entre 1990 a 1995 (o SBT até então só havia exibido a fase dos anos 70). O estúdio contratado foi a BKS (que dividiu o trabalho com a Parisi) e na falta de Marcelo Gastaldi, Sérgio Galvão (1935 – 2016) foi o primeiro substituto, tendo a difícil tarefa de continuar o trabalho do MaGa, mas com uma pegada bem diferente.
Após uma quebra de contrato por parte da CNT, em 1998, o SBT aproveita e compra essa mesma fase do programa. Por não terem gostado da dublagem da BKS / Parisi, que não contava com boa parte do elenco original da MaGa, a emissora de Sílvio Santos manda redublar tudo no estúdio Gota Mágica.
Na ocasião, Chespirito passa a ter a voz de Cassiano Ricardo (filho do saudoso Rony Rios, a Velha Surda da Praça é Nossa), inexperiente em dublagem, mas que já havia sido uma das vozes de Topo Gigio no Brasil. Pudemos ouvir Chespirito com a voz de Cassiano pela primeira vez em 2001, quando o SBT estreou o programa “Clube do Chaves”.
Como além da dublagem ser bem diferente do estilo da Maga, os episódios deram um salto de 11 anos, a aparência física dos atores de Chaves chocaram os espectadores, que rejeitaram a atração.
Pouco tempo depois o Clube do Chaves saia da grade do SBT, voltando esporadicamente, mas sem os quadros de Chaves e Chapolin e exibindo apenas os outros personagens, como o Doutor Chapatin, o Chaveco e etc.
A quarta voz brasileira de Chespirito apareceu em 2005 quando a Amazonas Filmes resolveu lançar uma séries de boxes de DVDs com capítulos das séries que tanto amamos. Na ocasião, foi escolhido o veterano Tatá Guarnieri (que inclusive já havia sido cogitado para dublar Roberto nos tempos da BKS / Parisi), que teve a difícil tarefa de dublar o nosso pequeno Shakespeare nas mais diversas fases dos programas, anos 70, 80 e 90, nos Studios Gábia, em São Paulo.
Por causa do seu desempenho, Tatá Guarnieri acabou dublando o personagem também na série animada, que estreou no Brasil em 2007.
Em 2012, o canal pago Bio Channel fez um programa em homenagem a Roberto. Na ocasião, José Carlos Guerra, falecido no começo deste mês, foi quem dublou Chespirito, que já tinha seus 83 anos de idade. José Carlos Guerra fez um trabalho belíssimo, bem condizente com a aparência de um Chespirito idoso.
A última voz de Roberto Gómez Bolaños no Brasil é do carioca Daniel Müller. Daniel estreou no papel em 2012, nos estúdios da RioSound, quando o SBT resolveu comprar um pequeno punhado de episódios, que eram as conclusões de histórias que não tinham final no Brasil, como a última parte da Festa da Boa Vizinhança, ou a primeira parte do episódio do parque de diversões, do leite de burra, etc.
Esses episódios estrearam apenas em 2014. O que a gente não sabia era que o SBT havia mandado redublar as partes dessas histórias que já tinham a dublagem da MaGa. Aí vocês já sabem, né? Deu zebra! Logo, logo o canal resolveu engavetar essa dublagem e voltou a exibir os episódios com a clássica dublagem MaGa e sem as conclusões (que burro, dá zero pro SBT!).
Daniel Müller também chegou a dublar as últimas temporadas de Chaves Animado, após a saída de Tatá Guarnieri.
Em 2018, o Multishow resolveu comprar TODOS os episódios de Chaves e Chapolin que eram comercializados pela Televisa e foi aí que o canal descobriu que havia cerca de 150 episódios que nunca haviam recebido dublagem antes.
Eles tiveram essa missão de finalmente completar a fase clássica da obra de Chespirito. O estúdio escolhido foi a Som de Vera Cruz. Na ocasião, Daniel Müller voltava a ser a voz de Chespirito, consolidando-se de vez no “boneco”.
Abaixo podemos ver alguns vídeos com as variadas vozes que Chespirito teve no Brasil. No primeiro, inclusive, podemos ver a mesma cena com 04 dubladores diferentes, numa montagem feita pelo perfil @chespirotadas. Também podemos ver trechos com as vozes de Tatá Guarnieri e José Carlos Guerra nos outros vídeos.
Até hoje existe certo preconceito em ouvir os trabalhos que foram feitos após a MaGa, mas quem é fã de verdade dessa obra tão maravilhosa deveria mesmo dar uma chance a se acostumar com as vozes de todos esses artistas consagrados, pois do contrário nunca vai poder assistir de forma plena o legado que Chespirito nos deixou.
Roberto Gómez Bolaños nos deixou no dia 28 de novembro de 2014. Por ironia do destino, o SBT estava exibindo Chaves quando teve que interromper a transmissão para anunciar sua morte.
O gênio faleceu, mas o seu legado continua vivo e vigente para todos aqueles que amam um humor saudável.
Obrigado, Chespirito!